Querida
- Manuela Torres
- 12 de fev. de 2019
- 2 min de leitura
Atualizado: 29 de mar. de 2019

Olham suas bochechas macias e suas ancas largas, suas pernas compridas e seus cabelos sedosos. Reparam nos seus tornozelos expostos e nos seus lábios pintados. Os lobos sorriem para você; as cobras sorriem para você; todas as malícias sorriem para você.
E eis que a fome e o cansaço batem e ninguém repara em suas bochechas suadas, suas ancas largas demais, suas pernas manchadas, seu cabelo sujo, seu tornozelo cansado de andar sob o Sol. Só as hienas sorriem para você, só quem te repreende. Pois agora você já cresceu, há normas, há deveres, não há espaço para o desconsolo e, no entanto, há uma vastidão de lugares em ti que cabem a solidão. Desde a ponta do pé até a profundeza dos olhos, ninguém te dá atenção. Ninguém sorri para você, como faziam quando era criança. Ninguém te diz parabéns. Ninguém te diz obrigado. E você faz o mesmo com os outros.
É que o que suga tua criança mais íntima, o teu precioso infantil, não é o tempo, o vilão das novelas. Não é o corpo, o vilão do espelho, mas é a lente. É que você anda tão embaçada, tão fora de foco, que tenta limpar a cena com um amor fugaz. Um amor que escapa entre os dedos. Anda pelas calçadas, pelas montanhas, pelos desertos e na madrugada, a procura de um par de órbitas que te enxerguem, de quem você possa aquecer o peito e de quem ria dos seus meros detalhes. Porque não somos fortes, nem grandes. Permanecem as mesmas dores, os mesmos anseios, os mesmos medos, mas não há ninguém mais lá para você. É sua vez de proteger agora, todo aquele para sempre foi mentira. Agora é só você e, acredite, estão todos sozinhos, morrendo de medo, nas calçadas, nas montanhas, nos desertos, procurando além do amor. Buscam um foco, para se sentirem queridos outra vez.
Então não diga “ei mundo eu cresci”, pois hoje bebo whisky e trato de assuntos sérios demais. Diga-lhe a verdade. Diga “ei mundo”, eu não quero ser rei sem reino, como quando estava sozinha no recreio, com vontade de chorar. Diga “ei mundo” vou escrever tuas promessas, em um livro bem enorme, que só eu vou ler. Diga “ei mundo”, não me chame de carente, melodramática, prepotente, infantil por não saber lidar com a dor. Pois já fazem bilhões de anos e de tudo que ouvi sobre o passado, venho lhe dizer da certeza que tenho, que ninguém jamais cresceu. Fingem, aceitam e acostumam, mas estão todos a procurar holofotes para suprir uma criança mãe que envelheceu.
Tá cada vez mais eloquente. Brincando, até demais, com as palavras!
Brincar é tudo, é bom demais!!!
Parabéns!!!